"Quiet garden" de Pete Beckmann
O negro Surimam era um sujeito arredio, que com pouca gente conversava. Era homem de trabalho e de inteligência incomum, para aquelas bandas. Era dado às letras e dele também se contavam algumas histórias de opinião forte - um sujeito determinado, que fazia o que queria.
E, agora, que já era bastante velho, o que mais fazia na vida era conversar com as flores de seu jardim. Ali passava quase todo o tempo disponível, depois que se aposentara, e o povo local, chegado a fofocas e lendas, cuidava de ir dizendo que o velho, louco, conversava com as rosas como se gente fossem...
Numa bela tarde, o velho Surimam, em uma de nossas poucas prosas, me disse:
- Amigo doutor Pedro, o senhor é, nestas bandas, o homem em quem mais confio. Só não digo meu melhor amigo, porque não acredito em amigos, mas o senhor é de minha inteira confiança e, por isso, gostaria de lhe pedir um favor, para depois de minha morte. Se não for caso do doutor aceitar a missão, me diga, que dou o assunto por encerrado e até desisto da idéia...
- E qual é a idéia do amigo?
- É o seguinte: gostaria de ser enterrado, ali, debaixo daquelas roseiras, e que, em cima, fosse feito um mausoléu simples, com o epitáfio: "Juntos para sempre"...
Poderia parecer estranho a muita gente, mas eu, por algumas razões, já esperava mais ou menos isso. Como era uma das poucas pessoas que com ele conversavam, já admitira, até, que seria eu o escolhido para tal empreendimento, mas, para o entendimento da coisa, vou tentar dar uma idéia daquilo de que suspeito, pois é só, e não passa de suspeição.
Ali, naquela cidadezinha de pouca gente, mas de muito boa gente interiorana, Surimam já morava desde menino, vindo da capital, São Paulo. E foi também ali que conheceu a mulata mais bonita que já se viu, menina linda, mesmo, e por quem, já rapazote, se apaixonou, perdidamente, no que foi correspondido. Logo se casaram, com uma festança daquelas, e era amor que todo mundo via e comentava. Surimam vivia nas nuvens... Eu, de minha parte, tinha o maior gosto em olhar os dois juntos. Como ela era linda e ele também era um gajo bonitão, um negro forte e bem vestido, e também dado às poesias e literaturas, formavam um belo casal.
Um dia, eles tinham um casamento de amigos, na cidade vizinha, e se aprontavam para ir, quando a Tereza passou mal e disse que não poderia viajar, mas que ele fosse, pois não podiam decepcionar os amigos, nem ele deixar de usar aqueles sapatos novos que ela tinha ido comprar à cidade, só para lhe dar de presente...
E ele foi, pois nunca deixava de atender os apelos de sua Tereza. E, lá, fez todas as honras, as suas e as da mulher, que não pôde ir. Ficou o tempo suficiente para poder dizer que precisava voltar e cuidar de sua Tereza, o amor de sua vida, o que todos compreenderam ou pareciam compreender, pois ele sentia um pouco de ironia e, em alguns, um pouco de pena em seus olhares, alguma coisa estranha... Mas nada era importante. O importante, mesmo, era voltar para casa, era voltar para a sua mulher...
Voltou, mas não a encontrou. Só um bilhete, informando que ela estava indo embora e que nunca mais voltaria, pois tinha encontrado o amor verdadeiro de sua vida, o seu melhor amigo, o Ernesto. Pedia muitas desculpas, mas, no final, dizia que a vida é assim mesmo.
Suspeitam que Surimam ainda os pegou no caminho, a uns cinqüenta quilômetros dali, que do homem deu cabo, lá mesmo, e que, quanto à mulher, a trouxe e enterrou no quintal, onde, depois, fez aquele jardim de sua adoração...
Contam... Sei, não... Pois como acreditar em tudo o que se diz?...
De: João Costa Filho